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  • Foto do escritorÁlvaro Dezidério

Daniel Kahneman - Meus heróis não morreram de overdose

Atualizado: 30 de mar.

A psicologia econômica, posteriormente batizada de economia comportamental por Richard Thaler é minha parte preferida da ciência econômica.


Por uma razão muito simples. Tudo que aprendi sobre microeconomia e macroeconomia quando aplicado ao mundo real simplesmente ignorava como tratar pessoas, que são máquinas ambulantes de criar problemas (e resolvê-los também). O tal do agente otimizador e as expectativas racionais tão famosos nos anos 70, para mim, não se aplicavam ao ser humano.


As pessoas simplesmente não funcionam como a teoria diz que elas funcionam. Elas (nós) não tomam decisões como se fossem o Dr Spock da série Jornada nas Estrelas. Elas (nós) funcionam mais como Homer Simpson. É duro dizer, mas é a verdade. A psicologia econômica organizado difundida por Daniel Kahneman e seu parceiro de jornada Amos Tversky simplesmente fizeram com que as coisas se encaixassem. Não só para mim.


O prêmio nobel de economia para Daniel Kahneman em 2002 desenvolvendo a teoria e suas aplicações, e o mesmo prêmio para Richard Thaler em 2016 com aplicações práticas da teoria aos problemas do mundo real (adesão automática para planos de previdência complementar é um dos sucessos dele) comprovam isso ao mundo.


Eu tive duas experiências inesquecíveis em minha vida profissional com a obra. A primeira foi lendo após a hora do almoço (sim, eu já fui desses que não saia para almoçar com os colegas e aproveitava o escritório meio vazio para ler) quando entendi os dois sistemas e seu funcionamento meu coração disparou. Pensei: porra, este livro é sobre mim. Ninguém mais pode ler isso aqui caso contrário todos vão saber como eu funciono. Alguns segundos depois: peraí. Isso aqui é sobre o ser humano e como todos nós funcionamos. E caí em uma gargalhada sincera.


E lembro da voz do meu chefe que eu não vi entrar na sala, “ agora endoidou de vez”. E eu não consegui parar de rir.... não tive a chance de explicar, e acho que ele não entenderia minha epifania. No dia seguinte meu outro chefe que chegava às 07:00 da manhã no escritório junto comigo me pergunta se estou bem.  “Eu já sabia que tu falava sozinho, e ontem soube que tem crises de riso do nada. Tu ta bem mesmo? Precisa de alguma ajuda psicológica”. Nunca consegui me explicar...


A outra foi em meados de 2013, sobre aprendizado e não ser chato com pessoas.

Eu estava (e ainda sou) fascinado pela obra e comprava exemplares do livro sempre que ia em alguma livraria. Todos os aniversários de amigos eu levava este livro como presente e dizia: leia com calma, sem pressa. Isso vai mudar sua vida.


Minha namorada à época, que assistiu o filme a Banalidade do Mal no cinema comigo ( eu juro que nunca mais submeti ninguém a tal tortura. Agora vou sozinho) logo após o filme – acho que se sentiu à vontade depois das quase três horas de Hanna Arendt e o julgamento de Nuremberg – me disse: sabe este livro que você da presente para as pessoas? Então, eu aposto que está virando peso de porta ou apoio de monitor.


E desenvolveu o seu argumento coberta de razão. “Nem todo mundo gosta ou entende isso como você. Quando você fala dele para seus amigos, e eu já presenciei algumas vezes, você os faz se sentirem mal por não alcançarem o seu raciocínio. Não me leve a mal. Você está sendo um chato com esse assunto.”


Esta mesma experiência derivou um evento aproximadamente dois anos depois onde eu trabalhava em uma empresa que trouxe uma psicóloga especializada em psicologia econômica para uma palestra em um seminário com todos os colaboradores. Como a palestrante apresentava aquilo como a maior descoberta da década. Pensei: ótimo! Achei alguém tão apaixonado por isso quanto eu. E como já havia lido todos os livros sobre o tema lançados até ali comecei a fazer perguntas mais avançadas sobre psicologia econômica.


Como era de se esperar a palestrante se irritou comigo. Percebi a irritação e lembrei das palavras da minha ex namorada (Você está sendo chato com esse assunto). Parei de perguntar.


Ficaram as lições de como você pode passar por maluco ou ser um chato porque está tendo uma epifania ou apaixonado por um tema.

 

Enfim, acho que todos temos tipping points em nossas vidas. Na maioria das vezes são tragédias ou rompimentos.  No meu caso foi um livro que me ajudou a gostar mais ainda da ciência econômica e ter certeza de uma dúvida que me assombrava: sempre achei que economia é sobre pessoas. E você precisa entender de pessoas para entender economia. Daniel Kahneman me ajudou a ter certeza sobre isso.  

 

 

Abaixo segue o texto que escrevi para meu falecido blog de livros sobre o Rápido& Devagar: Duas formas de pensar.

Texto escrito em 2012


Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar.


O livro Rápido e Devagar (ou na versão original Thinking fast and slow) é a obra que resume, sem perder a qualidade, o trabalho de vida de Daniel Kahneman e Amos Tversky. Embora o autor do livro seja apenas o Kahneman, já que o Tversky faleceu anos antes da publicação, Kahneman se refere a obra conjunta deles quase que como reverenciando a oportunidade de trabalhar com Amos. Uma passagem do livro exemplifica isto de forma didática: “Muitas pessoas que conheciam Amos consideravam-no a pessoa mais inteligente que já tinham visto. Brilhante, fluente e carismático”.


Sua pesquisa revolucionou a forma como o mercado financeiro é compreendido. A chamada teoria da decisão, que resultou na nova abordagem das finanças comportamentais jogou por terra a racionalidade exigida nos modelos de otimização desenvolvidos na década de 60 e 70, e como uma boa ciência, nos encheu de perguntas que nos levam para outros caminhos para que alcancemos as respostas.


(Quem não gosta de discussões científicas pode pular para o próximo parágrafo).


Para quem não está familiarizado com o problema: boa parte da teoria econômica desenvolvida nos anos 60 e 70 era baseada em uma série de pressupostos sobre comportamento dos agentes. Alguns realistas e representativos, outros bem exagerados, outros colocados lá apenas para o modelo de otimização ficar elegante. Como sempre se exagera em tudo, especialmente tratando de economia, alguns autores muito famosos chegaram a afirmar que o realismo das hipóteses era pouco importante. O que importa eram as conclusões dos modelos. Não por acaso, a ciência econômica perdeu um pouco do respeito do restante da comunidade científica na época. O que o trabalho de Kahneman e Tversky faz é devolver, através da teoria da decisão, os fundamentos da pesquisa científica empírica aplicanda à finanças nos fazendo evoluir uns 100 anos através das psicologia econômica, posteriormente batizada de economia comportamental.     


Em resumo, o livro trata de como os processos decisórios ocorrem no contexto da mente humana e o que nos leva a agir como agimos. Nada de literatura de aeroporto. É pesquisa científica de primeira linha. O problema sobre o porquê de uma pessoa ter dificuldade para se concentrar em algo que não julga interessante, ou sobre como em situações de instabilidade, física ou emocional, torna-se muito mais difícil cumprir o que inicialmente foi planejado. Se o conceito ficou abstrato, pensem em como é difícil para um ser humano que precise perder peso permanecer na dieta quando seu emocional sai do controle.


Existe um processo psíquico bastante organizado que nos leva a estes padrões. É simplesmente incrível. Ele cria dois personagens chamados sistema 1 e sistema 2 para dar vida e forma a teoria, o que deixa a leitura muito mais agradável.  Mas não é um livro fácil. Afinal é ciência de classe mundial. Não da para ser as duas coisas ao mesmo tempo.


Conceitos como heurística representatividade, ancoragem, e aversão à perda, nos ajudam a entender situações simples e complexas do dia a dia no mercado financeiro, e também da nossa vida.


Exemplo: Todo mundo que trabalha no mercado financeiro tem um amigo que vive lhe perguntando se agora é hora de comprar Petrobrás. Ele já tem a resposta, mas mesmo assim formula a pergunta. Se você não concordar, ele que abrir uma discussão. Ora, se já tem a opinião por que está perguntando para você? Dizer que seu amigo é apenas um chato não explica nada, por mais que ele seja.  A pesquisa de Kahneman e Tversky explica isto muito bem.


Não vou entrar em detalhes do livro, e deixo a curiosidade motivá-los a leitura desta obra prima. Vale muito a pena. Muito mesmo. Para qualquer pessoa de qualquer área. A leitura é simplesmente fascinante. Já encomendei uns quatro exemplares para os meus amigos(as) que julgo poderem estar interessados nisto. Aniversário chegando, já sabem o que vão ganhar de presente.

 

1 abraço de quebrar costelas

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