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  • Foto do escritorÁlvaro Dezidério

Vem e bota no Carnê

Atualizado: 21 de abr. de 2021



Walter Mischel, um psicólogo da Universidade de Stanford, realizou nos anos 70 o famoso estudo das crianças e marshmallows (doces, para simplificar). Em resumo, ele queria testar a capacidade de resistir a gratificação instantânea e colher os benefícios no futuro desta força de vontade nas crianças. Diferentes crianças de 4 a 7 anos foram expostas ao doce e lhes foi dito que: quem conseguisse resistir a comer o doce ganharia dois doces após 15 minutos. Quem não resistisse e apanhasse o doce poderia comê-lo sem problema algum. Embora o teste tenha sido reproduzido por vários pesquisadores, (tem alguns no youtube) a ideia original é de Walter e o teste foi feito em Stanford, nos anos 70;. A Universidade de Dunedin, na Nova Zelândia, repetiu o teste em escala maior.


Ato contínuo, as crianças do teste de Walter e da Universidade de Dunedin foram acompanhadas (na Nova Zelândia praticamente todas foram acompanhas ate a vida adulta. Nos EUA cerca de 70% o foram) e seus resultados ao longo da vida (tais como se conseguiram se formar, se fizeram faculdade, se tinham carreira, poupança, obesidade, problemas com drogas, alcoolismo, crime, etc..) foram tabulados. A conclusão geral das duas pesquisas (feitas em tempos diferentes) é que as crianças que demonstraram mais força de vontade se tornaram adultos mais bem sucedidos do que aquelas que cederam à tentação. Isto é, a capacidade de postergar a gratificação instantânea – força de vontade – foi classificada como um dos fatores determinantes para o sucesso na vida adulta (lembrando que o teste não media felicidade, que é diferente de sucesso).


Eduardo Gianetti da Fonseca tem um livro sensacional chamado “O Valor do Amanhã” . A obra trata de escolhas entre presente e futuro e a capacidade de tomar decisões que postergam a gratificação imediata em nome de mais benefícios no futuro, alinhando esta abordagem à decisões financeiras (sem entrar diretamente em finanças pessoais). A melhor parte do livro, em minha opinião, é a explicação sobre o custo da preferência pelo presente. Se eu quero consumir agora, eu pago este custo, através da taxa de juros, tomando recursos emprestados para satisfazer meu desejo de consumo. Se eu consigo adiar meus desejos, eu recebo uma remuneração, através da taxa de juros, por emprestar estes recursos aos que não conseguem adiar a necessidade de saciar seus desejos.


Tá, o que isto tem a ver?


Totalmente influenciado pela leitura do FOCO (Daniel Goleman), pela releitura das notas de uma palestra que assisti em 2007 chamada “The Mind of the Brain” dada pelo professor Ubiratan Rezende para os professores da SOCIESC, passei a pensar que toda a abordagem de finanças pessoais que não leva em consideração a necessidade e o impulso de satisfação pessoal dos desejos tende ao fracasso. Ok, isto é óbvio. E muitas teorias de finanças pessoais já abordam isso. Mas que tal darmos um passo atrás?


Se a força de vontade é determinante para a capacidade de postergar a gratificação imediata e evitar problemas financeiros, que tal entendermos as histórias das pessoas que fazem isto para que possamos abordar este tema de forma eficaz? Como dizer a um pai de família que cresceu em uma lar sem quase nenhum acesso a bens e serviços e que de repente, pela melhora econômica do país, pode comprar uma TV “grande” para assistir a COPA, um sofá em L que ocupa toda a sala e um carro mil em 60 vezes?


Amigos, ele nunca teve isso, e nunca imaginou poder ter. Agora que tem, como dizer a ele que postergar o prazer imediato é saudável financeiramente? Ele nasceu endividado, e isso não é um problema para ele. Vai comprometer o salário com prestações? Não vai poupar para imprevistos? A vida dele, até aqui, foi um imprevisto. E poder reunir toda a família para assistir ao Domingão do Faustão no sofá em L que ocupa a sala inteira, na TV “grande” que deixa o cantor Leonardo quase do nosso tamanho, e poder levar a tia avó para casa (que até o ano passado vinha no ônibus das 12:00 e tinha que voltar no das 18:00, se não só amanhã, é o êxtase. Isso é poder e realização. O resto é bobagem. Ou melhor, dá-se um jeito. Sempre se deu, e sempre se dará. Por mais inconsequente que pareça e assim que ele raciocina.


Falar de finanças pessoais para o “classe média” esclarecida que “se passou” comprando carro grande para compensar algo que ele pensa ser pequeno, roupas, viagens, relógios, festas, e agora está pagando tudo é uma coisa. Este possui discernimento educacional para entender o que errou e como arrumar isto. Mas esta classe média é menos que 10% da população brasileira. 5% estão entre os ricos e classe alta. Os 85% restantes são os do sofá em L. E o maior desafio é explicar para este cara que ele precisa poupar e se prevenir contra incertezas e imprevistos. Ele precisa se precaver, mas obviamente sem deixar de consumir. Se não ele nem te ouve. Mas qual a mensagem teria efeito sobre este comportamento, dado que as características que precisam ser desenvolvidas em sua mente (postergar o prazer imediato do consumo) implicam em pedir para abrir mão de consumir algo que nunca se teve?


Eu realmente não sei a resposta. E acho que ninguém sabe. O que podemos concluir é que qualquer estratégia que seja contrária à natureza humana, as verdadeiras crenças deste “brasileiro”, causa o efeito ejaculação precoce: na hora é “Uau! Nossa !”. E 15 minutos depois não lembra de nada do que foi dito (ou feito). Penso ser este o desafio para qualquer tentativa de intervenção bem sucedida na educação financeira da maioria da população brasileira. Caso contrário, os ciclos econômicos farão com que estratégias de “vem e bota no carnê” mantenham mais de 80% da população brasileira aproveitando o presente ao máximo, sem pensar no futuro, aquele lugar onde passaremos o resto de nossas vidas.


Desculpem se ficou longo, se tivesse mais tempo faria um texto menor. Todos os erros e possíveis interpretações são de minha inteira responsabilidade. Como sempre.


1 abraço de quebrar costelas.

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